27.1.10

CONFISSÃO

eu me dei conta que eu era um merda quando percebi que o que fosse mérito para os outros, seria demérito pra mim. percebi que eu era um bosta quando a felicidade alheia me incomodava a ponto de me permitir desdenhar completamente de todos os louros que alguém conseguisse sem me envolver. e demorou demais pra que eu caísse em mim. e isso é um clichê horrível. e daí?

tenho amigos fotógrafos, músicos, artistas plásticos, publicitários, estagiários, macumbeiros, programadores, nerds, leitores, lésbicas, gays, descolados, cults, metidos a cults, frios, putos, desencatados com a vida, amorosos demais, cheios de pudores ou sem pudor nenhum. eu sou rodeado de gente que se parece comigo em algum ponto, mas que não podem, de jeito nenhum, se mostrar um milímetro maior que eu.

porque? sabe lá Deus! deve ser poque me criaram assim. igual demais à todo mundo. em meio à massa. dói demais dizer que é porque eu não tenho condições de me sobressair dentre tanta gente melhor que eu. é mais fácil acreditar que eu tenho mesmo o rei na barriga.

fosse uma viagem que eu não fiz, um carro que eu não comprei, o salário que eu não consegui, o cargo que eu pleiteei, a música que eu não sei tocar, a roupa que eu não posso vestir... enfim... todo mundo tinha uma porra de um diferencial, um cacete de um pisca-pisca no rabo, sempre vinha um que me ofuscava, que me abatia, que me colocava em meu lugar. e mesmo sabendo disso, não era fácil aceitar. não é facil aceitar. tá, eu NÃO aceito.

por essas e outras me tornei o que sou. porra nenhuma! um fumante compulsivo viciado em calmantes e café. entupo o rabo de conhaque barato num boteco mais ou menos pra poder encher os olhos dos MUITO MENORES que eu com meus feitos meia-boca. encho a boca pra contar uma história que ouvi de alguém. pra dizer algo que alguém me disse. pra recitar um poema que não fui eu quem escrevi.

me cerquei dessa vidinha mais ou menos. mais pra bosta e menos pro luxo. sempre. mais pra cova e menos pra vida. vida? eu esqueci o que era isso quando esqueci que vibrar com alguém uma conquista é fazer parte dela. não, isso não é um texto de auto-ajuda. isso é uma confissão. provavelmente acharão esse guardanapo ensangüentado em cima de algum balcão em alguma bodega de quinta nessa cidade de merda. aqui não tem meu nome. não tá escrito o que eu fiz, nem com quem eu fiz. mas dá pra deixar claro o que estou fazendo. estou morrendo. e vou deixar isso assim porque eu já morri por dentro há muito tempo. vou deixar essa merda desse sangue escorrer balcão abaixo e quando alguém se der conta, eu já estarei vagando por aí, sem luz, sem brilho, pronto pra botar pra baixo qualquer um que pense que está por cima. talvez tenha sido essa minha missão na terra. tentar ofuscar nêgo que brilha. se foi, nem isso fiz direito. estou desistindo porque não suporto mais ver alguém ganhar antes de mim.

23.1.10

Sem São Paulo...

acabei de digerir "Hollywood" do bom e velho safado Bukowski. eu adoro os contos, sou mais propenso aos contos, mas esse, como romance, é sensacional. acho que a atmosfera ajuda muito também.

o tempo tá uma merda. abafado, chuvoso. no rádio tá tocando Golpe de Estado, que é uma banda a qual eu nunca dei muita atenção mas tenho descoberto certas virtudes nela. os nomes das músicas e as temáticas das letras são sensacionais. chama a atenção. rola um quê qualquer de submundo, subversão, sei lá... enfim...

tudo isso me remeteu a uma data em especial. e como eu estou no trabalho, esqueci que esse final de semana é "prolongado" e que segunda é aniversário da cidade de São Paulo. de manhã, no metrô, dei informações em inglês a um casal alemão que precisava chegar no MASP. depois que saí, na estação Brigadeiro, olhei a Paulista com outros olhos. olhei os prédios. a nuvem arroxeada que assombrava o prédio do Instituto Pasteur e vi uma certa beleza na cidade. vi algo que meus olhos de criança assolada pela rotina não podiam ver antigamente. há algo aqui. e eu venho descobrindo o que é.

o cheiro de gasolina, de fumaça, o barulho cinzento dos caminhões na Marginal, o sobe e desce frenético dos carros e ônibus na Augusta tomada por gente estranha exalando vodka e outros drinques baratos, o lçado negro da força na Roosevelt, os tipos interessantes que até nos inspiram vendendo livros de altíssima qualidade a preço popular de bar em bar (como o Carlaccio!), uma bandinha mais ou menos tocando um rock'n'roll adolescente no Terminal Lapa, as poesias nas estações do Metrô, a chuva, a enchente... sei lá, acho que sou bicho do asfalto mesmo.

por mais que eu declare amor à Bahia, minha terra-mãe adotiva, acho que não viveria sem todo esse caos mais de um mês. não conseguiria passar duas semanas fazendo happy hour no Pelô ouvindo samba. não passaria duas semanas indo à praia todos os domingos. acho até que não iria à praia todas as semanas se morasse lá. eu sou do concreto. o coração nem tanto, mas o cérebro com certeza. respiro e vivo isso aqui. preciso disso aqui. por mais que canse, estresse, cause queda de cabelo, dependência química ou qualquer outra baboseira. isso faz parte de mim. e de certa, eu faço parte disso.

é um texto besta, mas é uma declaração sincera. fico feliz por ter nascido em São Paulo, me orgulho dessa cidade pra caralho e desejo, do fundo do coração, um feliz aniversário à cidade que me sustenta e inspira há um quarto de século.

Parabéns Paulicéia Cansada! A gente resiste!

13.1.10

entrou soprando o pó e procurando qualquer interruptor pra acender as luzes. se é que ainda havia lâmpada no lugar.

foi tateando as paredes, tirando teias de aranha que enroscavam no cabelo e no rosto, chutando baús, caixas velhas, um tricículo enferrujado, uma bola de basquete, luvas de beisebol. tropeçou na serra elétrica, caiu e encontrou uma lanterna. foi até o quadro de luz, levantou e baixou todas as chaves e tentou o interruptor. a luz acendeu.

ele andou até a velha escrivaninha, tirou o lençol branco. vislumbrou novamente a cadeira, a luminária e a velha máquinha de escrever. pensou e repensou a vida quase inteira, suspirou, tomou um trago do bourbon do cantil, ajeitou umas folhas na máquina, sentou-se e retomou os trabalhos.

como se o norte da vida tivesse sido encontrado novamente. como se tudo no mundo estivesse resolvido. ou como se qualquer sentido pra vida fosse reencontrado.