o dia estava mais cinza que de costume. muito mais cinza que o tom de cinza que eu gosto. e estava frio, garoa fina que corta o rosto, braços curzados e óculos respingados de gotinhas frias, gélidas, transparentes e chatas. era um dia chato. mas havia a esperança iminente que poderia melhorar a qualquer momento. mas pra isso eu tinha que esperar.
aconteceu ontem. na verdade já vinha acontecendo. essa minha solteirice tem me prejudicado em alguns pontos. mas, pesando os prós e os contras, é bom estar solteiro. sem dúvida.
foi num dia frio, menos que esse, num bar depois do serviço. fui beber com um amigo, conversar da vida, das coisas, das mulheres e das últimas novas a respeito da vida sexual alheia. mas fui acometido por uma onda súbita de carência. e realmente senti saudade dela. resolvi, sem mais nem menos, ligar pra dizer oi. caiu na caixa postal.
"é... oi. você sabe quem está falando, não vou dizer quem é. só queria dizer oi mesmo, dizer que estou com saudade e queria te ver. to precisando de colo. beijo."
e colou. ela me mandou mensagem no dia seguinte, me desejando bom dia. de lá pra cá temos nos falado com freqüência. ontem, por exemplo.
"e aí moço?"
"tudo bem e vc?"
"bem também."
"legal... e vamos mesmo sair essa semana?"
"amanhã é um bom dia, não?"
"ah, é. sempre é bom sair com você. só to tomando remédio, não dá pra encher a cara."
"nossa... esse final de semana eu passei mal. saí pra conversar com um amigo, mas, quando ele começou eu vi que a noite ia ser longa e resolvi comprar uma garrafa de conhaque."
"nossa. conhaque é foda..."
"você já tomou uma garrafa de conhaque comigo!"
"ah... mais fácil dizer o que nós não tomamos juntos. do whisky a cachaça, passamos por tudo."
"é. whisky mesmo nem tanto!"
ela ria espontâneamente como sempre foi. e ela tem uma risada aconchegante, por assim dizer.
continuamos tecendo um diálogo que ia do céu ao inferno em diversos momentos engraçados e diferentes. acho que nunca conversamos tanto sobre coisas tão superficiais como fizemos no telefone ontem. achei diferente.
o final da coversa ela arrematou com aquele jeito direto de falar o que pensa sem pestanejar.
"tudo bem então, nos vemos amanhã."
"certo. onde?"
"perto da sua casa mesmo. mas não tão perto!"
"entendo. beleza, nos falamos!"
"tá eu ligo amanhã ainda. mas... já vou avisando: se tiver com segundas intenções, saiba que engordei um pouco porque parei de usar os baratinhos..."
eu ri. ri muito e disse que tudo bem, que não tinha nada a ver. mas sabia que não era esse o final do diálogo. ela foi direta como sempre, mas estava na hora de eu ser direto também, mas já tinha perdido a oportunidade.
a resposta correta seria "mas você está com segundas intenções também?". mas me calei. embora estivesse com segundas intenções. ou melhor, embora ESTEJA com segundas intenções. creio que ela não tenha virado uma bola. ela sempre exagerou em relação à seu peso. e de besteira.
me lembro bem de seus atributos físicos. de seu cheiro. seus cabelos, seu toque, sua voz, seu hálito, o modo como seus lábios ficavam gelados enquanto ela gemia com a boca aberta me apertando contra ela cada vez mais forte. é por lembrar de tudo isso que senti saudade.
foi um amor bem vivido. a nosso modo, mas bem vivido. descobrimos muita coisa juntos e muita coisa a nosso respeito. preferências, segredos, o jeito de tocar, de apertar, de sentir. brigamos, exageramos, choramos - ela deve ter ainda com ela os nossos maiores segredos escritos num papel. ou em vários papéis.
são muitas coisas juntos. muito tempo juntos. a última vez que nos vimos e demos corda às nossas segundas intenções já tem bem uns três anos, eu acho. foi num intervalo que tive com minha ex-quase-esposa. não dá pra dizer não. é maior que nós. por respeito mesmo é que não fodemos com todos os nossos relacionamentos juntos. evitávamos qualquer contato e qualquer garrafa de vinho tinto barato. sempre foi melhor assim.
mas hoje, hoje é diferente. estamos os dois afim de colo, afim de afinidade. nem que seja só pra passar frio juntos e se aquecer pelados embaixo de um cobertor vagabundo. ou só pra abraçar e beijar na rua com gosto de vinho barato. hoje é pra curtir, rir e relembrar o que fomos um dia e jamais voltaremos a ser - e ela ligou.
deixa o desfecho da história pra amanhã. pode ser que o recado no telefone agora não seja dos melhores. ou pode ser que eu tenha motivos pra parar de falar e deixar mesmo pra escrever mais tarde.
Um comentário:
Pô, cara, tu tá apaixonado! Quero saber o resto da história, mas desde já digo que sou a favor de que o casal volte o mais rápido possível! :)
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