31.3.10

No espelho do banheiro


Você não sabe o que sou, nem de que sou capaz.
Não sabe de onde eu venho, pra onde estou indo
                        o que quero, o que não quero mais...
E o que te interessa? E o que isso importa?
Não é que eu não seja qualquer outra pessoa no mundo, não...
É que, sei lá, entende?... eu fico falando e você fica ouvindo...
Fica tudo assim: meio sem jeito, meio sem motivo...
Você me olha com essa cara rosada... um tom de embriaguez...
                         me lembra o Waits.
Aquela bluzêra carregada, meio deprê, aquele acorde que precede a letra
                         mas a letra NUNCA começa.
Isso aí é você... ou eu... ou nós dois... ou só o que queríamos,
                         o que sonhamos ser um dia.
E porque diabos não dá certo, hein?! Mas que merda!
Queria poder esquecer da identidade, esquecer do compromisso
                        que sem querer a gente carrega com a sociedade.
Enfiar a vida toda, todo o passado, nariz a dentro, como uma carreira
                        larga de cocaína.
E de repente o blues pára. A música acaba.
 
 
                    Tá vendo? Nada nunca tem graça...

29.3.10

"Vai, se você precisa ir... não quero mais brigar esta noite...
 Meu amor, cuidado na estrada...
 E quando você voltar,
 Tranque o portão
 Feche as janelas
 Apague a luz
 E saiba que EU TE AMO..."

16.3.10

Conflito? (Não dá pra entender nada)

Uma profusão de sentimentos estranhos invade,
                 de repente a tarde acaba.
Não há brilho.
Nem há sol.
Não há barulho.
Silêncio tenso de cortar com faca.
                      Sempre tem dois gumes.
 
Faltam poucas horas pro seu aniversário.
Me lembro do nosso abraço ano passado.
             Quente. Foi bonito. Uma porção de sentimento
todos esses ditos, gritados, em silêncio.
Eu não abri a boca, você ouviu tudo.
                       Sempre tem dois gumes.
 
Esse ano, aposto, não terá abraço.
Esse ano não tem "a gente". Não existe "nós".
                 EXISTE VOCÊ. Sem mim. Sem eu. Sem você.
Sem eu sou eu sem você. ENTENDEU?
 
Dois e dois: quatro. Mas você não sabe disso.
              Ou finge que não sabe?
É insanidade, é desconfiança...
 
É DESCASO. DESAMOR. DESALMADA.
                     DESEJADA.
 
E eu não sei, sequer, ordenar
         a confusão de coisas na minha cabeça.
Elas descem ao coração e envolvem-no...
                é um pano escuro.
Súbito ele se aperta, com medo, tenta forçar a barra
      Te vê ali, beijando e abraçando outrém (palavra velha!)
            Ora eu, ora você, agora... alguém - rima barata...
 
Quem vai descobrir meu coração?
Descobri-lo e descobrir-me junto?
           Dá medo de ficar mais tarde.
           Dá medo de não ter tempo.
MEDO QUE VOCÊ SE ARREPENDA
ao perceber, quando EU JÁ ESTIVER longe do SUFOCO,
          que talvez não haja mais luz.
          que talvez não haja mais tempo.
          que talvez não haja mais eu.

15.3.10

Parou na saída do bar, encostou-se num canto, sob a marquise. Acendeu o cigarro meio se escondendo pra evitar qualquer segurança babaca enchendo o saco por causa da nova lei. No porre que estava, não argumentaria nada, partiria com o cigarro aceso pra cima do segurança e, sem aguentar um peido, tomaria um direto no queixo que o faria acordar com os cachorros na sarjeta. Ele já conhecia essa história.
Deu um trago, soprou a fumaça pra cima. Tentou se lembrar de quando isso parecia charmoso e quantas vezes o elogiaram sobre isso. Foram várias. Uma garota jurava que se apaixonou de vez por ele ao vê-lo recostado numa sacada, de costas, fumando. Coisas que ninguém nunca entenderá.
O cheiro dela tomou a atmosfera. Ele fechou os olhos, cambaleou, sentou-se no degrau, encostou a cabeça na parede e deixou-se levar. Durante alguns minutos lembrou do toque das mãos delas em suas costas, os mamilos rijos passeando pela nuca, os beijos na orelha, os puxões de cabelo e os arranhões que recebia. Lembrou-se de como ela dominava a situação quando ficava por cima, como olhava o sexo, o entra-e-sai ritmado e a dança que os seios faziam enquanto ele os umedecia com a ponta da língua. Lembrou de como ela acelerava o ritmo quando estava pra gozar, como ela gemia, como suspirava em sua orelha e como, sem dizer nada, se declarava, morta, farta, sobre seu corpo depois de também levá-lo aos céus.
O cigarro acabou. Fazia um pouco de frio e ele arremessou a bituca na avenida, olhou o segurança, olhou o bar, entrou e contemplou, novamente, como a vida conseguia ser tão tediosa e tão chata como era naquela noite.

Ao sentir saudade, pensou, a gente aprende. Onde será que eu deixei esse pedaço de vida, hein?!