9.4.10

Incidentalmente

memórias do vendaval escorrendo na sarjeta com o resto da garoa morna que cai do céu como as lágrimas no seu rosto.           

fim do dia, começo do desespero, enquanto a noite cai escura e te cega as únicas lembranças te apertam o coração como poesia triste.

em esquinas sujas, breus urbanos imundos, vielas cheirando a mijo, seu resquício de esperança é traficado como moeda podre.

e na calçada-bordel da rua iluminada por néons azuis e vermelhos, sobre um caco de espelho refletindo a luz do poste, numa carreira, o começo e o fim da sua vida.

de cima, alguém pela janela, degusta um cálice de vinho, morde os lábios com força enquanto esboça um sorriso de canto - extasia-se com seu sofrimento.

te assiste ir e vir, sem rumo, perdido, pirando de bar em bar e te manipula, como um joguinho, marionete do desejo alheio - alguém ri mais alto.

é quando você abaixa com as mãos na cabeça e vomita toda a sua história pela latrina - sangue, álcool, drogas, porra.

a garganta ardendo, o líquido gorgolejando esôfago a dentro, seus olhos trincados, vermelhos, lacrimejando.

não há dor, não há desespero, não há sofrimento pra quem te vê assiste - é o um show de horror barato e de péssimo gosto.

outro gole no vinho e você sentado em cima da poça ácida no ladrilho xadrez do chão do banheiro - uma gargalhada.

com as mãos na cabeça, olhando pro teto, você, rindo de você mesmo e revirando os bolsos da calça velha.

uma tampa de caneta. um bilhete do metrô. um maço de cigarros vazio. um teco de canudo. um cartão telefônico.

sua cara no espelho, seu ar de desespero, o olhar para o relógio e alguém esmurrando a porta - você tremendo.

tudo volta à tona, memórias do vendaval, lembranças que te apertam o coração, músicas que te travam a garganta.

poesias tristes em noites frias num verão - fossa, bossa, dor, solidão - acordes dissonantes num blues de violão.

e mesmo depois de um vinho, um consolo, um ombro amigo ou um abraço de quem te deseja, por mais que se sinta quente, é impossível achar a vida atraente.

 

6.4.10

DESATINO

Eu tô bem... quase não tô morrendo.

Não tem câncer... não tem lepra...

Essa ferida aberta não cicatriza,

mas não é hemofilia...

Isso é você.

Foi você quem fez.

É você quem faz sangrar.

E nada, nem se você voltar...

Nada fará parar de desatinar.