15.12.08

 
vestido vermelho de tecido leve. os cabelos negros presos num coque, um batom vermelho que realçava o volume dos lábios e um óculos de sol que arrematava o conjunto todo com um ar de mistério.

o que aqueles olhos escondiam? o que será que mostravam atrás daquelas lentes?

não me contive. saí de onde estava pedindo licença e vencendo com dificuldade cada centímetro quadrado daquele trem lotado. queria ao menos sentir seu cheiro; um breve resvalar de braços, quem sabe... um toque inconsciente nas mãos que seguravam firmes o apoio.

cheguei bem perto. cheirava a banho recém tomado, sabonete; tinha os cabelos ainda úmidos cheirando a xampu. a nuca exalava um aroma fresco, leve, convidativo... meio adocicado, talvez.

fiquei contemplando aquilo tudo parado ali, ao lado dela. sentei quando uma senhora se levantou e notei seus quadris esticando o tecido do vestido. a marca da calcinha, pequena, bem delicada, escondendo algo realmente precioso. tinha um belo par de pernas bronzeadas pelo sol. as coxas grossas volumosas e um tornozelo estreito, decorado sutilmente por um cordãzinho dourado com um pingente com o símbolo do OM. os seios eram sob medida. em total harmonia com o resto do corpo, davam a ela certa maestria em relação às outras mulheres naquele trem. sem dúvida reinava absoluta naquele vagão.

vacilei, deixei que a melodia da música nos fones me levasse e, chacoalhando no trem, fui longe, bem longe...

em outro lugar, bem distante dali, tirava aqueles óculos e era surpreendido por enormes olhos verdes. um verde penetrante, escuro, nada daquele verde comum, que todos os outros olhos verdes guardam. era um verde luz! intenso e profundo.

fui tomado por algo de outro mundo e, pálido, com a garganta seca e com um nó, mal conseguia pronunciar palavra alguma. nos olhávamos em silêncio, um dentro do outro; num gesto lento, pensativo, demorado, nossas bocas se encontraram.

foi um longo beijo molhado, trabalhado. me olhou nos olhos enquanto nossos lábios ainda se afastavam e disse:

 

fosse esse mar meu caminho

fosse esse meu coração

faria de você meu destino

e de teu amor minha salvação

 

atônito, palerma olhando aqueles olhos, demorei a entender do que se tratava. confesso que senti um calafrio que estremeceu meu corpo. não sabia de onde vinha aquela mulher e, nesse instante, mal tinha idéia pra onde estava indo com ela.

não sabia o que responder. mal tinha idéia do que ela quis dizer com aquelas frases. mas um ar de tristeza a envolveu subitamente. era estranho algo tão mágico se desfazer em tão pouco tempo e desse jeito tão obscuro.

o tom da sua voz, o peso das palavras, a escolha minuciosa por versos que talvez não me machucassem tanto... e aí eu entendi o que ela quis dizer.

nesse instante do sonho, a música acabou e eu abri os olhos no trem novamente. a garota que tinha me mandado pra outro lugar já não estava lá. tinha descido em alguma das cinco estações que passei dormindo. à minha cabeça voltaram cenas já vividas, frases já ditas, as cartas guardadas, as declarações despejadas numa enxurrada de sentimentos arrebatadores. tudo aquilo ali em mim de novo.

fui invadido por uma tristeza grande. a mesma tristeza das frases daquela mulher do sonho. eu havia entendido e, mesmo sem saber direito o porquê, já me via sofrendo por isso.

a "shuffle mode" do celular é meu amigo. as boas surpresas sempre aparecem nas horas mais estranhas. a próxima música veio, como num pedido, em desespero.

 

ah, neguinha...

deixa eu gostar de você

pra lá do meu coração

não me diga nunca não

Nenhum comentário: